A lenda do parafuso

Eu acabara de me casar. Estava naquela fase maravilhosa de mobiliar a casa. Eu e meu marido conciliávamos a agenda de um casal que, recém-casado, vivia em cidades distintas. Entre idas e vindas e uma ponte aérea bastante movimentada, harmonizávamos a compra dos móveis, e a montagem desses, em um curto espaço de tempo que ele ficava por aqui.

Tudo que está naquela casa foi montado por ele. E foi exatamente desse cenário que recortei um dos maiores ensinamentos da minha vida.

Havíamos comprado cadeiras em uma liquidação de uma loja da cidade. Para a minha surpresa, elas não vinham montadas. Sei lá. Eu nunca tinha comprado cadeiras na vida e achei estranho ter de montá-las.

Chegando em casa, meu marido, ansioso pela experiência, foi abrindo caixa a caixa para se deliciar com aquela vivência.

Em determinado momento, ele disse:

– vou à casa da sua mãe buscar a furadeira.

Eu, surpresa, indaguei:

– para que você quer furadeira?

– Estou tentando colocar o último parafuso da cadeira, mas esse não quer entrar. Pensei em abrir um pouco o buraco com a furadeira.

Eu, instintivamente, retruquei:

– O parafuso foi feito para entrar perfeitamente. Se não está entrando, então não é daí.

– Mas só falta este parafuso.

– Abrir um buraco na cadeira vai estragá-la.

Ele, meio a contragosto, abandonou a ideia da furadeira. Desmontou a cadeira e recomeçou a montá-la. Em minutos, reconheceu que, de fato, aquele parafuso não era do “buraco” que ele queria parafusar.

Depois desse episódio, pensei: a vida é como um buraco na cadeira, pronto para receber um parafuso. Todo “buraco” foi feito para receber um parafuso específico. Caso você queira colocar o parafuso em um lugar que não encaixe perfeitamente, não adianta pegar a furadeira.

Não adianta tentar forçar a passagem de algo que não foi feito para passar. Muitas vezes, pegamos furadeiras, marretas e várias outras ferramentas. Abrimos o buraco e depois descobrimos que abrimos o buraco demais, que estragamos o móvel e que, mesmo assim, o parafuso continua a não servir.

Essa foi uma reflexão boba, mas que vou levar para a vida.

 

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